Angola acordou para os horrores da guerra na manhã de 4 de Fevereiro de 1961 quando em Luanda o MPLA atacou as prisões numa tentativa para soltar o que eles consideravam prisioneiros politicos. Em Março a UPA, mais tarde chamada FNLA, começou uma guerra sangrenta no norte do País. Nessa altura eu era um rapazito de 12 anos e viviamos em Nova Lisboa. Eu lembro-me perfeitamente um domingo a caminho do Jardim Zoológico e notei que os meus pais estavam com um semblante muito sombrio. Quando eu perguntei qual era o problema eles disseram-me que a guerra tinha começado no norte do País. Um tio nosso, do lado da minha mãe e Chefe do Posto de Mucaba estava cercado na igreja pelos terroristas como eram chamadas nessa altura as forças da guerrilha.

A população Europeia de Angola entrou em pânico lembrando-se dos não muito distantes acontecimentos do Congo Belga (depois chamado Zaire e agora Congo de novo) quando se tornou independente. A máquina de propaganda do governo não tentou sequer acalmar as coisas. Fotos horriveis apareciam em todos os jornais, revistas e livros mostrando o modo bárbaro como as hordes drogadas da UPA assassinaram os fazendeiros nas plantações de café. O exército em Angola, na altura era uma pequena força, deficientemente equipada e não treinada para uma guerra dessa natureza. Porém, os civis e o exércico combinaram forças e estabilizaram a situação até à chegada de reforços de Portugal.

Eu ainda me lembro ir para a escola de manhã e ver os trabalhadores negros a serem parados em postos de inspecção por todo o lado. A violência dos ataques da UPA no norte do Pais desencadearam uma resposta ainda mais violente da parte do exército e população, na maioria a Europeia. Algumas histórias horriveis circulavam nessa altura acerca da "heróica" destruição do enimigo. Em breve todos os cidadões Angolanos do sexo masculino se aperceberam que iriam ter de lutar na guerra e isso tornou-se uma obsessão e o centro de todas as conversas. Logo que se fizesse 18 anos eramos recrutados para o exército. De um periodo inicial de 18 meses, o serviço militar foi aumentado mais 30 meses para assegurar a disponibilidade de "carne para canhão".

Como "cumprir e sobreviver" os quatro anos de serviço militar tornou-se uma obsessão para todos os jovens Angolanos e Portugueses. O exército estabeleceu um sistema rigoroso de control, pràticamente impenetrável ao existente sistema das "cunhas" para se conseguirem favores. Ser colocado numa unidade não combatente era quase impossível e portanto todos nós aceitámos a realidade como uma facto consumado.

O povo Portugês, como bons latinos, são muito sentimentais e a máquina governamental soube galvanizar as massas para enfrentar a "guerra justa" que ocorria nas colónias. Pouco depois de Angola a guerra começou em mais duas frentes: Guiné e Moçambique. Na India o exército Indiano invadiu e tomou Goa, Damão e Diu. Canções como Angola é Nossa equavam em todas as cerimónias oficiais, em conjunto com o hino nacional. Alguém iniciou uma angariação de fundos para comprar um porta aviões para retomar and colónias da India (?!).

Nessa altura o meu pai trabalhava para o Caminho de Ferro de Benguela e a quase totalidade da nossa familia vivia no centro de Angola e portanto não foi afectada pela guerra. A guerra era uma coisa distante que se lia nos jornais e se ouvia na rádio. A verdadeira situação da guerra não era conhecida pelo cidadão normal. As notícias era cuidadosamente censuradas e a PIDE (policia política) trabalhava bem nos bastidores a eliminar qualque movimento subversivo. Eu cresci sob o governo de Salazar, o ditador que governou Portugal durante 45 anos. Salazar tomou o controle do País entre as duas guerras mundiais, quando a economia estava num caos. As políticas iniciais e a disciplina rigorosa imposta pelo regimen de Salazar operou maravilhas em Portugal.

A politica de Salazar era simples e muito clara: "deixem as politicas para mim". O povo deve jogar futebol e cantar o fado. Se uma pessoa não se metesse em politicas não tinha que recear a PIDE porque da outra maneira eles não brincavam. Ser comunista ou ter a fama de ser um deles era muito perigoso nessa altura e tal como eu, a maioria da minha geração cresceu sem perder tempo a preocupar-se com politicas. O mundo era "preto e branco" para nós; não haviam tonalidades cinzentas. Pagámos muito caro a nossa engenuidade quando depois da revolução a nossa geração foi chamada a tomar posições políticas que afectaram o País para sempre e sem qualquer preparação para tal.

Eu nunca questionei a validade da guerra. Eu amava o meu País e havia uma guerra que desafiava os meus valores morais. Nunca houve uma só dúvida na minha mente, quando chegou a altura eu respondi à chamada tal como o fizeram milhares e milhares de Angolanos de todas as cores e credos.

Nas páginas a seguir eu conto algumas das recordações da guerra da maneira como eu a vi e vivi. A guerra é uma tragédia e ninguém melhor que a nossa geração de Angolanos sabe como ela é errada. Eu tenho pena dos milhares que pagaram com a vida o que aconteceu ... e para quê? Provávelmente para nada. Só o tempo o dirá.

Eu fui mandado pelo meu País para lutar contra um inimigo da nação e estou muito orgulhoso pelo que fiz. Enfrentei medo e morte. Testemunhei o melhor e o pior da natureza humana e acredito que acabei por me tornar uma pessoa melhor. Não perco tempo a analizar os acontecimentos do passado usando os padrões morais de hoje. O que nós fizemos foi o melhor que se podia ter feito na altura e os pacifistas e "do godderes" nem devem tentar perder tempo a debater essa matéria comigo.